logo RCN
CAMPO & CIDADE

Andanças de João Veneno - Onévio Zabot

  • - Onévio Zabot - Engenheiro agrônomo e servidor de carreira da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri) - Membro da Academia Joinvilense de Letras

Naquela tarde, meados de maio, 1979, lá estávamos na propriedade de Vigando Voigt, estrada Quiriri. O convite partira de João, popular João Veneno. Divertia-se com a alcunha, pois, segundo ele facilitava o acesso aos agricultores. E fazia isso de peito aberto. Contato pessoal.  Tête-à-tête.
Vigando tradicional fruticultor, produtor de banana, sempre atualizado, era referência. Inovação era com ele. João, filho de poloneses de Massaranduba, embora afastado das lides do campo, em certo sentido continuava no ramo: agora revendia insumos agrícolas. Mais precisamente, defensivos agrícolas. E, naquele momento, pasmem(!) duplo era o propósito: testar um equipamento, tipo canhão - pulverizador potente e um produto químico, no caso óleo mineral, capaz de controlar a sigatoka amarela, doença que assolava os bananais. Alastrando-se a sigatoka reduzia a superfície folhar. Pústulas aqui, pústulas acolá. Primeiro amareladas - faz jus ao nome -, e, depois necrosadas. Mortas. Resultado: queda na produção. Poucos efeitos surtiam outras práticas agrícolas. Adubar, por exemplo.
João, por natureza era carismático.  Envolvente. Sabia como poucos contar uma boa anedota, assim como resignar-se, tomando ares de compenetração, se necessário. Na chegada, um grupo de bananicultores o aguardavam. Vigando e dona Agnes, sua esposa, fizeram questão de apresentar fotos do grupo de dança: Os Silberfluss. Compunham o grupo abrigado na Sociedade Rio da Prata. E também participavam do tiro ao rei e da rainha. Armas de pressão. Por várias edições levaram a medalha de campeões. O compromisso: oferecer na residência um regabofe aos correligionários. Chope a valer.  

Viajaram pelo Brasil todo apresentando-se... danças folclóricas de origem germânicas.   Trajes típicos. Estiveram, inclusive no Palácio do Planalto, exibindo-se. Jovens casais percebia-se nas fotos.  Mais tarde conheci Vergílio Prochnow, bandeonistado do grupo. Compositor, gravou meia de dúzia de CDs; os vendia pessoalmente, de mão em mão, no interior de Joinville. Circulava de bicicleta. Alegre e divertido. Personagem folclórico, marcou época. A vida - o pão de cada dia -, auferia como pedreiro. O bandeão mesmo, apenas um hobby.

Terminada demonstração, João nos convida para uma rodada de frutos-do-mar em Guaratuba. Extensionista novo, boa ideia. Um fusca 1500, o transporte. Olho para o banco de trás, a carga não era pequena: defensivos agrícolas de toda a ordem ali amontoados. Algumas embalagens abertas. Normal para o amigo, mas para mim uma bomba. Sensível aos defensivos, não deu outra, retornando a coisa ficou complicada: vômito, tontura e o escambou.

De outra feita, na Vila Nova, tradicional polo orízicola, João como de hábito cobria uma rodada de cerveja no bar do Baumer. Prosa animada.  Tasca: qual a diferença entre polaco e polonês. Ora, saber o quê. João era assim, imprevisível.  Silêncio inesperado, emenda: - Polaco, um sujeito baixote; o polonês, mais espigado, alto. Não por acaso João pertencia ao segundo grupo. Ou por outra, meia-boca.  Os trejeitos ao contar causos abriam gargalhadas. Brincadeira entre amigos.  
Um conterrâneo seu que ia à praia, não se contendo, envereda: - Vendo aquele mundão de água, minha gente, tenho vontade de semear de arroz por ali.  Os arrozeiros inundavam os tabuleiros de plantio; ato contínuo, lançavam as sementes pré-germinadas - daí a provocação.

Cá entre nós, o sistema pré-germinado, sistema praticado pelos italianos do Vale do Itajaí, facilitava, e muito, práticas agrícolas, especialmente o controle de ervas invasoras; contribuindo, assim, sobremaneira para elevar a produtividade.
Essa fase, no entanto, passou. João partiu para outros rumos. Compra um sítio nas bandas de Garuva, divisa com Guaratuba. Mata fechada. Relevo acidentado. Vê-lo manobrar um potente trator naquelas vielas arrepiava. Corajoso, não dava trégua. Nutria a esperança de vê-lo aberto. Produtivo. Ledo engano. A legislação ambiental caiu como uma bomba. Desmatamento zero na Mata Atlântica. O que fazer?  Tinhoso, bem que tenta, não fosse a fúria canina do IBAMA. Garrote inevitável.

Se desfaz do sítio, compra um caminhão caçamba e encosta numa empreiteira. Depois, a exemplo de Júlio, seu irmão, parte para a estrada. Caminhão de transporte. Cargas brasilzão afora.  Embora o aparente sucesso, enrascadas: sequestro na cidade de São Paulo. Comeu o pão que o diabo amassou.  A perspicácia, no entanto, o salvou. Os bandidos, percebendo sua coragem e ousadia, o liberaram. De outra feita, na descida da serra, BR-376, perde os freios, mas por sorte acessa à área de escape. Não esperava, porém, contar com o que viu: carga saqueada na sua frente. Como formigas, em bando,  do nada surgiam larápios. Pouco pode fazer, embora o esforço.  Ofício bom por um lado, mas cabeludo por outro, arguia.

Mesmo assim, jamais rendeu-se ao infortúnio.  Alegre, esbanjava simpatia. Esbanjava, pois o coração dia desses o traiu. Infarto fulminante.
João Tarnoski me lembra muito Pangloss - personagem da obra Cândido, de Voltaire -, um otimista inveterado.  Por pior que fosse o cenário, irredutível vociferava:  - "As coisas sempre acontecem de melhor maneira possível".  
Amigo estejas aonde estiveres - descansa em paz.  Foi-se o guerreiro, fica a lenda: - Entregar-se, jamais.  Nem pensar.   Para sorte dos vencedores, assim caminha a humanidade.  
                                                        Joinville, 29 de outubro de 2021

Portinari: O pintor das mazelas brasileiras  - Elisa Silva Anterior

Portinari: O pintor das mazelas brasileiras - Elisa Silva

Mario Severo Gouveia no campos dos sonhos - Roberto Dias Borba Próximo

Mario Severo Gouveia no campos dos sonhos - Roberto Dias Borba

Deixe seu comentário